segunda-feira, 2 de julho de 2007

Onde há vida

Depois que a onda passa
me pergunto:
pra que lado fica a terra?

e a água é turva, suja.

Antes dela eu podia ver tudo claramente. Com a água límpida eu até via os peixes e as pedras, cada uma no seu lugar.

Você já viu? A água do mar numa praia calma, limpa?

Achou bonito?

Eu também achava.

domingo, 1 de julho de 2007

temporária

Duas suaves luzes,
experimentadas
adocicadas
Novas interpretações
mais lúcidas
e o tempo que dita
alumiando a espera...
oxalá finda

as imagens ajuntam-se.

domingo, 24 de junho de 2007

Atenção!

Hipócritas mesquinhos. Superiores desmemoriados donos de verdades. Enojam-me todos. Todos.
Cansei-me da alegria vazia dos se enganam, mascaram a vida. Nestes ainda tenho esperanças. Que caiam na cova das alegrias vãns.
Dos que acreditam na arte sem vida.
Dos que sentam-se, distraem-se, criam demandas por informações inúteis.
Entristece-me ver às crianças, que buscam a todo o momento vida, serem dadas diárias doses de remédios civilizatórios.

Espanta-me! Que ainda não quis ignorar tudo, tamanha decepção, pois ainda há indignação!
Há, talvez, poucos momentos reais de vida, ordinárias ações instintivas.
Não excluem-se ação e consciência. O sofrimento que mobiliza convive com o desânimo dos “corações desiludidos”. Estes, que durante longo tempo acreditaram em soluções pacíficas.
Desiludiram-se. Era o mínimo.
Deste modo o desânimo ou provém do cansaço ou do comodismo (deste posso falar com propriedade, do outro não conheço).

Isolam-se atrás das grades da segurança, acostumados ao cheiro fétido das putrefações hedonistas. Ainda assim sentem-se ameaçados, pois duvidam de seus propósitos...
Temem a face de sua miséria. Mas já superaram o medo dos espelhos. Vêem-se, mas ignoram. Eis o treinamento mais eficaz da atualidade.
Comodamente, esperamos que todos se percam no vazio de suas vidas, matem-se por seus interesses mesquinhos. Gente fútil, cega e tola. E se esperamos, incluímo-nos.

terça-feira, 22 de maio de 2007

Três pares

Olhos curiosos, que escondem
Olhos transparentes, se escondem
Olhos assustados

Todos guardados na mesma casinha.
Encantadores...
Trazem seus belos horizontes, um de cada vez.

E trazem também seus medos.
Reage cada par ao seu modo
Às belas imagens que passam.

Olhos fotográficos, levam pra si imagens.
Imagens levadas, facetadas
Cada olhar com sua parte.

Mal sabem os aflitos olhos:
As imagens são apenas faces da mesma realidade
que esperam poder juntar-se num momento.


E sabem elas que podem continuar partidas?

quarta-feira, 9 de maio de 2007

Diário

Bordoada.
.
.
.
Instalada a dessemelhança,
tornou-se ela a enlouquecida.
Os ascendentes proferiram.
O amante, abandonou.
Pontuais dores.
.
.
.
Amigos transfigurados.
`A margem: liberdade.
A crise é positiva.
Não há volta.

segunda-feira, 7 de maio de 2007

Impressões

Uma noite pulsante. As pessoas deixam-se levar pela multidão. A flanar pelo centro.
Os cantos escuros são tão iluminados e vivos como o dia. Onde a música, a poesia e a expressão se misturam. Os desejos fundem-se.


O ser encontra o outro no caminho. Desencontram-se, despreocupam-se. Há por todos os lados protestos silenciados, ditos escancarados e, deitados, os desdenhados embriagados.

O desconhecido e o conhecido. Ambos tão únicos, igualmente tão parecidos e pobres. Arrebatados por motivos ou momentaneamente tentando desvencilhar-se deles.
No chão e no ar, o cheiro. Vertendo mais que todas as noites. O cheiro e o som nos caminhos.

No momento de fusão algo comum torna-se possível, talvez sabido. Tão fugaz quanto o momento, sucede como os breves encontros.

Meras impressões convivem com a dor latente, contínua... Expectativas de paradigmas desfeitos. Que não passam de esperança em corações desiludidos.
Estes sabem que a chamada “vida” retorna, vazia.

Os corações oprimem-se novamente.

quarta-feira, 25 de abril de 2007

Inexistência

Desde aquela manhã as coisas estavam diferentes. Lembro-me, já havia notado algo fora do comum havia algum tempo. As pessoas não estavam presentes em seus postos.
No entanto, estranhamente, as coisas pareciam seguir seu curso normal.
Pra mim as coisas continuavam, minha rotina continuava.
Os dias sucederam-se e continuei não enxergando ninguém, o mais estranho é que podia mesmo ter sido sempre assim.
Dei-me conta de que não via minha família, teria algum dia tido uma família? Vizinhos, amigos?
Comecei a pensar. Qual o sentido daquilo tudo? O que eu era?

E juntei-me à multidão dos inexistentes.

quarta-feira, 11 de abril de 2007

Equívoco

Mais uma vez a surpreender-me. Poema fora por tempo indeterminado.

segunda-feira, 9 de abril de 2007

Novela

Dona Marta. Dona de casa. Assiste novela. Sempre. Agora sentada na sala de estar junto à sua filha Paula.
Cláudio, seu marido. Chefe da casa. Depois de ler o jornal do dia calmamente, resolve se distrair de outra maneira. Começa a cantarolar e batucar na perna. Ora canta, ora bebe sua pinguinha com frutas, como de costume.
_Shhh! Quero ouvir minha novela! Você só quer encher o saco, vai procurar o que fazer! _ diz Marta.
_ Isso é uma porcaria! Não sei como vocês perdem tempo com uma coisa dessas, é sempre a mesma coisa. _ retruca Cláudio.
_ Ah...fica quieto pai! A gente quer ver novela! _Paula.
Mesmo debaixo de tantas reclamações de quem só se interessa pelo seu programa de televisão, Cláudio continua a fazer sua batucada e cantarolar sua melodia até o fim da novela como forma de protesto.
Ao fim da exibição, as telespectadoras se levantam. Saem da sala. Cláudio continua sentado, mas vira-se para a televisão. É hora do seu telejornal.

quinta-feira, 5 de abril de 2007

"Ao longe, ao luar

Ao longe, ao luar,
No rio uma vela
Serena a passar,
Que é que me revela?

Não sei, mas meu ser
Tornou-se-me estranho,
E eu sonho sem ver
Os sonhos que tenho.

Que angústia me enlaça?
Que amor não se explica?
É a vela que passa
Na noite que fica."

Fernando Pessoa

segunda-feira, 26 de março de 2007

"Vocação de Poeta

Ainda outro dia, na sonolência
De escuras árvores, eu sozinho,
Ouvi batendo, como em cadência,
Um tique, um taque, bem de mansinho...
Fiquei zangado, fechei a cara -
Mas afinal me deixei levar
E igual a um poeta, que nem repara,
Em tique-taque me ouvi falar

E vendo o verso cair, cadente
Sílabas, upa, saltando fora,
Tive que rir, rir, de repente,
E ri por um bom quarto de hora.
Tu, um poeta? Tu, um poeta?
Tua cabeça está assim tão mal?
- "Sim, meu senhor, sois um poeta",
E dá de ombros o pica-pau."

(Friedrich Nietzsche, trecho de poema de Das Canções do Príncipe Livrepássaro, poemas de 1882-1884, publicados em apêndice 'a Gaia Ciência, na edição de 1886.)

Quem me dera fosse poeta, mas como não sou...